Sobre percepções de como qualificar intensidades de uma conjuntura político performática com a dinâmica de um Departamento de Artes e sua vocação de "formar artistas".
Caro amigo,
Obrigado pelo envio do material e por me deixar a par dos acontecimentos. Teria pouco a escrever nesta correria desenfreada de final de semestre mas não poderia deixar de me solidarizar com a causa dos alunos do Departamento de Artes. Vivemos um momento importante de nossa história política e não podemos fingir que as coisas não estão acontecendo. Isso seria o mesmo que achar que o levante de junho foi um espasmo sem consequências. Não foi. Seu futuro está sendo construído em todo o país. A Escola de Arte da UFRN é um capítulo a mais nesta história.
Ter uma faculdade de arte, desenvolver uma escola de arte, é abrir-se ao imponderável e ao risco, assumir um espaço de convivência plural onde a potência criativa estará sempre irmanada a uma energia que incorpora excessos e não se delimita pelo impulso da prudência. Criar é imprudente. É pôr-se no limite do possível e saber o quanto de rigor é necessário para aí se manter. Há que se ensinar o fracasso, sem ele o possível é repetição sem diferença. O fracasso está na origem do novo e é superado, sem ser negado, pelo gesto potente que cria. Fazer uma escola de arte é fazer um espaço de convivência experimental em que os alunos não temem o fracasso; só assim saberão do rigor e da força necessária para a arte, para aquilo que a artista Lygia Clark chamava de Estado de Arte sem Arte.
Vendo estas imagens que você me enviou lembrei-me do Corpobra do Antonio Manuel. Pequeno relato. Tendo sido negada sua participação em um salão de arte no MAM - Rio em 1970, o artista não se fez de rogado. Na abertura da exposição, realizou sua performance no interior do museu. Despiu-se. Pôs o próprio corpo à prova, desnudou-se perante a força normativa que disse Não a sua participação. Era a ditadura e os gestos tinham consequências pesadas. Saiu do museu e foi se esconder na casa da Diretora Niomar Muniz Sodré. O crítico Mario Pedrosa, foi ao seu encontro. Numa entrevista gravada entre os dois naquela noite, Pedrosa teria dito duas frases que estão entre as mais citadas em nossa história da arte: 1 - que aquele gesto do Antonio cumpria o sentido maior da atitude criativa e política de sua geração: fazer da arte um exercício experimental de liberdade. 2 - que aquele gesto - o despir-se, o corpobra - evidenciava o quanto a arte era uma forma de resistência à entropia civilizacional. Viver a fragilidade. Assumir a atitude enquanto forma; forma poética, forma crítica, forma política. Quarenta e tantos anos depois, já consagrado e parte da história, Antonio prepara uma exposição que abre agora dia 12 de dezembro de 2013 no mesmo MAM.
Um último ponto, talvez com inspiração prudencial. Há que se saber os momentos de avançar e de recuar, de assumir com coragem nossas posições e negociar abertamente em nome da diversidade, da pluralidade e do movimento. Reconquistar o jardim como espaço de convivência pode implicar concessões para que sigam acontecendo possibilidades de encontros bons e criativos - que é a razão de Ser de uma Escola de Arte.
Abraços,
Luiz Camillo Osorio
Sobre a Okupação no Departamento de Artes da UFRN
Luiz Camilo Osório, Diretor do Museu de Arte Moderna do Rio de Janeiro e Professor de Estética Filosófica da PUC do RJ.
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